Caça-Fantasmas | Por que parte do público insiste em odiar um filme que não viu?
Todo ano, somos bombardeados por um sem-fim de continuações e reboots no cinema. A escolha é bastante óbvia: para garantir uma bilheteria gorda, os estúdios buscam produzir para os públicos que já existem (não é à toa que a cada semana menos histórias exclusivas chegam ao cinema). É nesses projetos que as portas para eventuais mudanças na trama original são abertas, permitindo que a nova versão de um filme antigo se adapte às necessidades de mercado, narrativas, tecnológicas ou à realidade social atual. É por esses e outros fatores que o Batman se tornou mais sombrio, que o Superman perdeu a cueca sobre as calças ou que Pânico 4 transferiu o cenário para as redes sociais e tecnologia móvel. “Nova década, novas regras”, como muito bem dizia o slogan do terror de Wes Craven.
Em 2016, o super popular Caça-Fantasmas também volta aos cinemas, mas com uma mudança essencial: agora, a história (que não é uma continuação, mas um remake) é protagonizada por mulheres. Rebu: antes mesmo do primeiro trailer surgir na web, uma onda de comentários por parte dos “fãs” do filme original trouxe uma leva imensurável de ataques e comentários de ódio ao time feminino. O motivo era apenas a escalação de elenco. Saem Dan Aykroyd, Bill Murray, Harold Ramis e Ernie Hudson e entram Leslie Jones, Melissa McCarthy, Kate McKinnon e Kristen Wiig. A defesa dos autores de tais comentários, àquela época, era a de que nenhum elenco poderia substituir o célebre quarteto do longa de 1984. Se ligássemos o botãozinho da inocência em nossas cabeças, daria até para engolir o argumento da nostalgia, não fosse a divulgação do primeiro trailer de Caça-Fantasmas (2016).
Em pouco tempo, a prévia se transformou no vídeo mais odiado da história do Youtube, com 900 mil rejeições. Todos têm o direito a ter uma opinião, mas toda essa reprovação veio acompanhada de mensagens machistas, misóginas e ameaças de morte ao diretor Paul Feig (das aclamadas comédias Missão Madrinha de Casamento e A Espiã que Sabia de Menos – ambos com McCarthy no elenco) e ao time feminino do filme, chamadas de feminazis (algo que jamais deve ser dito a uma mulher). E isso, caro, não é opinião.
Agora, as primeiras críticas ao filme começaram a surgir em sites como o Rotten Tomatoes e a recepção tem sido positiva (no momento o filme possui 79% de aprovação). A boa aceitação foi o suficiente para mais comentários levianos surgirem entre o público. No Twitter, fãs tem acusado os críticos que gostaram do filme de terem sido comprados pela Sony e alegam que mal podem esperar para boicotarem a produção, tudo pelo simples fato das protagonistas de um longa de ação e ficção-científica serem mulheres.
Em um momento em que Star Wars: O Despertar da Força, também protagonizado por uma mulher (e um rapaz negro), se transforma na segunda maior bilheteria da história do cinema, e em que Mad Max: Estrada da Fúria usa todo o seu espetáculo técnico para promover o empoderamento feminino, seria no mínimo estranha essa recepção da plateia. Seria, caso esses dois filmes também não tivessem sofrido os mesmos tipos de ataques justamente por darem tanto destaque a figuras femininas. O que é curioso, na verdade, é que tanto Paul Feig quanto Melissa McCarthy e Kristen Wiig são três artistas já há bastante tempo nas graças do público, mas só até o ponto em que estrelam os chamados “filmes cor de rosa”. A mudança de comportamento em relação aos três muda drasticamente quando o trio passa a administrar um tipo de produto que o público machista reclama para si (as super-produções de grande orçamento, efeitos visuais, ação e muito heroísmo). Claramente uma segregação. Enquanto o palco forem as comédias-românticas, aplausos. Cruzar a linha para o universo da ação ficcional é crime e posicionamento feminazi – não precisa entender, realmente não há qualquer sentido nesse raciocínio.
Vivemos uma época de total combate à intolerância em que a melhor (e mais efetiva) estratégia tem sido a representatividade. Por muito tempo, a indústria fora criticada por não observar essa necessidade de validação do mundo real nas telas (e, para falar a verdade, ainda faz por merecer as acusações). Mas é preciso enxergar o quão imaturo e preconceituoso é o público geral para receber propostas tão válidas quanto Caça-Fantasmas e entender que, ainda que devagar e a duras penas, Hollywood tem feito o mínimo. O problema vai muito além da não representatividade, vai ao ponto doloroso em que a plateia não quer ver na tela aquilo que tem medo de se identificar sem aceitar.
Caça-Fantasmas estreia nessa quinta, 14 de julho, e estamos bastante animados para ver as meninas em ação. Seja bom ou ruim, essa pipoca já tá garantida na nota do filme em nossa crítica, que publicaremos aqui.