CRÍTICA | Homem-Aranha

Em meados dos anos 90, o diretor James Cameron, até então conhecido por seu trabalho em filmes como Alien, o Resgate e Exterminador do Futuro, era o nome mais cotado para dirigir a versão definitiva do Homem-Aranha para o cinema. Cerca de 20 anos depois, enquanto a visão de Cameron não chegou a ser realizada (embora seja possível encontrar uma suposta proposta do roteiro na internet), já tivemos uma trilogia completa do herói aracnídeo da Marvel na visão de Sam Raimi e estamos prestes a conferir uma nova versão do personagem, dessa vez com a direção de Marc Webb, de (500) Dias com Ela. Dez anos após o lançamento, contudo, a abordagem clássica do primeiro Homem-Aranha de Raimi mantém a relevância e se prova um duro adversário na inevitável comparação com a nova adaptação do aracnídeo para a tela grande.
A discussão sobre a melhor forma de transportar personagens conhecidos há décadas por meio de livros, revistas em quadrinhos ou desenhos animados para o ambiente cinematográfico, especialmente em uma era de transição da indústria, provavelmente nunca resultará em um consenso. Ao assumir a tarefa que vinha há anos pulando de mão em mão, Sam Raimi optou por um caminho relativamente seguro, desde que percorrido com atenção: captar a essência do mito, acomodá-la em uma linguagem que não economiza referências à original e incluir suas características pessoais – como as referências à estética de filmes B – na forma de um tempero extra, e não como foco principal de Homem-Aranha.
Em uma longa sequência de abertura, o público é apresentado sem pressa às figuras centrais da trama. Peter Parker pode dispensar apresentações, mas não deixa de ser cativante – e constrangedor – acompanhar suas desventuras iniciais como um adolescente nerd, desastrado e impopular, na interpretação certeira de Tobey Maguire. Mary Jane Watson (Kirsten Dunst) é o amor de infância do protagonista, a menina mais bonita da escola, que sai com o bonitão-sem-cérebro Flash Thompson (Joe Manganiello), mas também é cobiçada pelo melhor amigo de Parker, o playboy-gente-boa Harry Osborn (James Franco), herdeiro do cientista milionário Norman Osborn, cuja personalidade dividida, por sua vez, dará origem ainda ao vilão Duende Verde, em atuação memorável de Willem Dafoe.
O forte elemento cômico é apresentado já nas etapas iniciais de sua origem, durante a excursão escolar a um laboratório onde Peter é mordido por uma aranha modificada geneticamente – em vez de afetada por radiação, como na versão original. Indisposto, o jovem volta para casa e interage brevemente com seus tios Ben (Cliff Robertson) e May (Rosemary Harris), que o adotaram ainda criança, após a morte dos pais. No dia seguinte, Parker repara em algumas significativas novidades – sua massa muscular aumentou radicalmente desde a noite anterior, e a miopia parece ter desaparecido. Ainda mais importante (e assombroso): ele está liberando uma espécie de substância elástica e adesiva dos pulsos, e, após um flerte com Mary Jane e uma briga épica com Flash, constata que seus reflexos e instintos estão mais afiados que nunca.
Em paralelo, Norman testa uma fórmula experimental de aperfeiçoamento físico, voltada para fins militares, em si mesmo. Em busca de alguma vantagem a partir de suas novas habilidades, Peter participa de um torneio de luta livre surrealmente brutal, ao mesmo tempo em que negligencia compromissos para com os tios. O lutador novato vence a disputa apresentada pelo eterno Ash da trilogia Evil Dead, Bruce Campbell, mas presencia um assalto ao organizador do evento e, após ter recebido um prêmio em dinheiro bem menor do que o anunciado, não move um músculo para deter o criminoso.
Os efeitos colaterais da substância instável levam Osborn a limites sobre-humanos de força e resistência, mas atingem de forma profundamente nociva sua sanidade. A passividade de Peter, por outro lado, também vai assombrá-lo para sempre, uma vez que o mesmo assaltante que ele se recusou a capturar, em fuga, assassinou seu tio Ben. A jogada do destino o leva a considerar mais seriamente as palavras de Ben no que virá a ser o mote do futuro herói: com grandes poderes vêm grandes responsabilidades.
O filme de 2002 alterna o tom de comédia característico das aventuras do personagem nos gibis com impressionantes sequências de ação, leves pitadas de terror B, lutas dinâmicas e uma dose de romance que vai do tom doce-ingênuo dos diálogos entre Peter e Mary Jane ao kitsch-picante do beijo de ponta-cabeça da ruiva no alter ego heróico do jovem em um beco debaixo de chuva torrencial. Merece destaque também a tensão dramática entre Maguire, Franco e Dafoe, que viria a se desenvolver de forma gradual, porém marcante, ao longo das duas produções seguintes comandadas por Raimi.
A trilha sonora original de Danny Elfman, o design eficiente dos uniformes do Aranha e do Duende e os competentes efeitos visuais consolidam o direcionamento minimalista em termos de inovações temáticas, mas ambicioso na realização. Depois de anos de produções que beiram o vergonhoso como o Punisher com Dolph Lundgren e o Capitão América de 1990, em resposta a sucessos como o Batman de Tim Burton e os aclamados primeiros filmes do Superman com Christopher Reeve, a Marvelfinalmente teve, juntamente com o X-Men de Bryan Singer, lançado dois anos antes, versões dignas de seus heróis nas salas de exibição.
Essa pretensão grandiosa da obra pode ser, afinal, o divisor de águas relativo à sua apreciação. O resultado final é épico, mas também fantasioso, o que pode fazer torcer o nariz quem não está disposto à suspensão de descrença necessária para uma história do tipo. Longe de apresentar explicações científicas críveis e realismo sombrio, Homem-Aranha oferece pura e simplesmente uma história de super-heróis em movimento, encenada por ótimos atores e dirigida com segurança atemporal.
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Spider-Man (EUA, 2002) Aventura. Columbia Pictures.
Direção: Sam Raimi
Elenco: Tobey Maguire, Willem Dafoe, Kirsten Dunst, James Franco.